Conheça da doutrina Espírita

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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Preces pagas

 

Disse em seguida a seus discípulos, diante de todo o povo que o escutava: — Precatai-vos dos escribas que se exibem a passear com longas túnicas, que gostam de ser saudados nas praças públicas e de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos festins — que, a pretexto de extensas preces, devoram as casas das viúvas. Essas pessoas receberão condenação mais rigorosa. (S. LUCAS, cap. XX, vv. 45 a 47; S. MARCOS, cap. XII, vv. 38 a 40; S. MATEUS, cap. XXIII, v. 14.)
Disse também Jesus: não façais que vos paguem as vossas preces; não façais como os escribas que, “a pretexto de longas preces, devoram as casas das viuvas”, isto é, abocanham as fortunas. A prece é ato de caridade, é um arroubo do coração. Cobrar alguém que se dirija a Deus por outrem é transformar-se em intermediário assalariado. A prece, então, fica sendo uma fórmula, cujo comprimento se proporciona à soma que custe. Ora, uma de duas: Deus ou mede ou não mede as suas graças pelo número das palavras. Se estas forem necessárias em grande número, por que dizê-las poucas, ou quase nenhumas, por aquele que não pode pagar? É falta de caridade. Se uma só basta, é inútil dizê-las em excesso. Por que então cobrá-las? É prevaricação.
Deus não vende os benefícios que concede. Como, pois, um que não é, sequer, o distribuidor deles, que não pode garantir a sua obtenção, cobraria um pedido que talvez nenhum resultado produza? Não é possível que Deus subordine um ato de demência, de bondade ou de justiça, que da sua misericórdia se solicite, a uma soma em dinheiro. Do contrário, se a soma não fosse paga, ou fosse insuficiente, a justiça, a bondade e a demência de Deus ficariam em suspenso. A razão, o bom senso e a lógica dizem ser impossível que Deus, a perfeição absoluta, delegue a criaturas imperfeitas o direito de estabelecer preço para a sua justiça. A justiça de Deus é como o Sol: existe para todos, para o pobre como para o rico. Pois que se considera imoral traficar com as graças de um soberano da Terra, poder-se-á ter por lícito o comércio com as do soberano do Universo?
Ainda outro inconveniente apresentam as preces pagas: é que aquele que as compra se julga, as mais das vezes, dispensado de orar ele próprio, porquanto se considera quite, desde que deu o seu dinheiro. Sabe-se que os Espíritos se sentem tocados pelo fervor de quem por eles se interessa. Qual pode ser o fervor daquele que comete a terceiro o encargo de por ele orar, mediante paga? Qual o fervor desse terceiro, quando delega o seu mandato a outro, este a outro e assim por diante? Não será isso reduzir a eficácia da prece ao valor de uma moeda em curso?

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVI, itens 3 e 4.)

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Não vim trazer a paz, mas a divisão (II)

 

É de notar-se que o Cristianismo surgiu quando o Paganismo já entrara em declínio e se debatia contra as luzes da razão. Ainda era praticado pro forma; a crença, porém, desaparecera; apenas o interesse pessoal o sustentava. Ora, é tenaz o interesse; jamais cede à evidência; irrita-se tanto mais quanto mais peremptórios e demonstrativos de seu erro são os argumentos que se lhe opõem. Sabe ele muito bem que está errado, mas isso não o abala, porquanto a verdadeira fé não lhe está na alma. O que mais teme é a luz, que dá vista aos cegos. É-lhe proveitoso o erro; ele se lhe agarra e o defende.
Sócrates, também, não ensinara uma doutrina até certo ponto análoga à do Cristo? Por que não prevaleceu naquela época a sua doutrina, no seio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que ainda não chegara o tempo. Ele semeou numa terra não lavrada; o Paganismo ainda se não achava gasto. O Cristo recebeu em propício tempo a sua missão. Muito faltava, é certo, para que todos os homens da sua época estivessem à altura das idéias cristãs, mas havia entre eles uma aptidão mais geral para as assimilar, pois que já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão haviam aberto o caminho e predisposto os espíritos. (Veja-se, na “Introdução”, o § IV: Sócrates e Platão, precursores da idéia cristã e do Espiritismo.)
Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, veladas, as mais das vezes, pela alegoria e pelas figuras da linguagem. Daí o nascerem, sem demora, numerosas seitas, pretendendo todas possuir, exclusivamente, a verdade e o não bastarem dezoito séculos para pô-las de acordo. Olvidando o mais importante dos preceitos divinos, o que Jesus colocou por pedra angular do seu edifício e como condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor do próximo, aquelas seitas lançaram anátema umas sobre as outras, e umas contra as outras se atiraram, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, aniquilando-as nas torturas e nas chamas das fogueiras. Vencedores do Paganismo, os cristãos, de perseguidos que eram, fizeram-se perseguidores. A ferro e fogo foi que se puseram a plantar a cruz do Cordeiro sem mácula nos dois mundos. É fato constante que as guerras de religião foram as mais cruéis, mais vítimas causaram do que as guerras políticas; em nenhumas outras se praticaram tantos atos de atrocidade e de barbárie.
Cabe a culpa à doutrina do Cristo? Não, decerto, que ela formalmente condena toda violência. Disse ele alguma vez a seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai os que não crerem como vós? Não; o que, ao contrário, lhes disse, foi:
Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos persigam. Disse-lhes, outrossim: Quem matar com a espada pela espada perecerá. A responsabilidade, portanto, não pertence à doutrina de Jesus, mas aos que a interpretaram falsamente e a transformaram em instrumento próprio a lhes satisfazer às paixões; pertence aos que desprezaram estas palavras: “Meu reino não é deste mundo.”
Em sua profunda sabedoria, ele tinha a previdência do que aconteceria. Mas, essas coisas eram inevitáveis, porque inerentes à inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se repentinamente. Cumpria que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos, para mostrar toda a sua força, visto que, mau grado a todo o mal cometido em seu nome, ele saiu dela puro. Jamais esteve em causa. As invectivas sempre recaíram sobre os que dele abusaram. A cada ato de intolerância, sempre se disse: Se o Cristianismo fosse mais bem compreendido e mais bem praticado, isso não se daria.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXIII, itens 14 e 15.)

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Ressurreição e reencarnação (I)

 

Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, senador dos judeus — que veio à noite ter com Jesus e lhe disse: “Mestre, sabemos que vieste da parte de Deus para nos instruir como um doutor, porquanto ninguém poderia fazer os milagres que fazes, se Deus não estivesse com ele.” Jesus lhe respondeu: “Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.” Disse-lhe Nicodemos: “Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?” Retorquiu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade, digo-te: Se um homem não renasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. — O que é nascido da carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. — Não te admires de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo. — O Espírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem ele, nem para onde vai; o mesmo se dá com todo homem que é nascido do Espírito.” Respondeu-lhe Nicodemos: “Como pode isso fazer-se?” — Jesus lhe observou: “Pois quê! és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Digo-te em verdade, em verdade, que não dizemos senão o que sabemos e que não damos testemunho, senão do que temos visto. Entretanto, não aceitas o nosso testemunho. — Mas, se não me credes, quando vos falo das coisas da Terra, como me crereis, quando vos fale das coisas do céu?” (S. JOÃO, cap. III, vv. 1 a 12.)
A idéia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam reviver na Terra se nos depara em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima reproduzidas (n.º 1, n.º 2, n.º 3). Se fosse errônea essa crença, Jesus não houvera deixado de a combater, como combateu tantas outras. Longe disso, ele a sanciona com toda a sua autoridade e a põe por princípio e como condição necessária, quando diz: “Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.” E insiste, acrescentando: Não te admires de que eu te haja dito ser preciso nasças de novo.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV, itens 5 e 6.)

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Não são os que gozam saúde que precisam de médico


Estando Jesus à mesa em casa desse homem (Mateus), vieram aí ter muitos publicanos e gente de má vida, que se puseram à mesa com Jesus e seus discípulos; — o que fez que os fariseus, notando-o, disseram aos discípulos: Como é que o vosso Mestre come com publicanos e pessoas de má vida? — Tendo-os ouvido, disse-lhes Jesus: Não são os que gozam saúde que precisam de médico. (S. MATEUS, cap. IX, vv. 10 a 12.)
Jesus se acercava, principalmente, dos pobres e dos deserdados, porque são os que mais necessitam de consolações; dos cegos dóceis e de boa fé, porque pedem se lhes dê a vista, e não dos orgulhosos que julgam possuir toda a luz e de nada precisar. (Veja-se: “Introdução”, artigo: Publicanos, Portageiros.)
Essas palavras, como tantas outras, encontram no Espiritismo a aplicação que lhes cabe. Há quem se admire de que, por vezes, a mediunidade seja concedida a pessoas indignas, capazes de a usarem mal. Parece, dizem, que tão preciosa faculdade devera ser atributo exclusivo dos de maior merecimento.
Digamos, antes de tudo, que a mediunidade é inerente a uma disposição orgânica, de que qualquer homem pode ser dotado, como da de ver, de ouvir, de falar. Ora, nenhuma há de que o homem, por efeito do seu livre-arbítrio, não possa abusar, e se Deus não houvesse concedido, por exemplo, a palavra senão aos incapazes de proferirem coisas más, maior seria o número dos mudos do que o dos que falam. Deus outorgou faculdades ao homem e lhe dá a liberdade de usá-las, mas não deixa de punir o que delas abusa.
Se só aos mais dignos fosse concedida a faculdade de comunicar com os Espíritos, quem ousaria pretendê-la? Onde, ao demais, o limite entre a dignidade e a indignidade? A mediunidade é conferida sem distinção, a fim de que os Espíritos possam trazer a luz a todas as camadas, a todas as classes da sociedade, ao pobre como ao rico; aos retos, para os fortificar no bem, aos viciosos para os corrigir. Não são estes últimos os doentes que necessitam de médico? Por que Deus, que não quer a morte do pecador, o privaria do socorro que o pode arrancar ao lameiro? Os bons Espíritos lhe vêm em auxílio e seus conselhos, dados diretamente, são de natureza a impressioná-lo de modo mais vivo, do que se os recebesse indiretamente. Deus, em sua bondade, para lhe poupar o trabalho de ir buscá-la longe, nas mãos lhe coloca a luz. Não será ele bem mais culpado, se não a quiser ver? Poderá desculpar-se com a sua ignorância, quando ele mesmo haja escrito com suas mãos, visto com seus próprios olhos, ouvido com seus próprios ouvidos, e pronunciado com a própria boca a sua condenação? Se não aproveitar, será então punido pela perda ou pela perversão da faculdade que lhe fora outorgada e da qual, nesse caso, se aproveitam os maus Espíritos para o obsidiarem e enganarem, sem prejuízo das aflições reais com que Deus castiga os servidores indignos e os corações que o orgulho e o egoísmo endureceram.
A mediunidade não implica necessariamente relações habituais com os Espíritos superiores. É apenas uma aptidão para servir de instrumento mais ou menos dúctil aos Espíritos, em geral. O bom médium, pois, não é aquele que comunica facilmente, mas aquele que é simpático aos bons Espíritos e somente deles tem assistência. Unicamente neste sentido é que a excelência das qualidades morais se torna onipotente sobre a mediunidade.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXIV, itens 11 e 12.)

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Preces pelos doentes


As doenças fazem parte das provas e das vicissitudes da vida terrena; são inerentes à grosseria da nossa natureza material e à inferioridade do mundo que habitamos. As paixões e os excessos de toda ordem semeiam em nós germens malsãos, às vezes hereditários. Nos mundos mais adiantados, física ou moralmente, o organismo humano, mais depurado e menos material, não está sujeito às mesmas enfermidades e o corpo não é minado surdamente pelo corrosivo das paixões. (Cap. III, n° 9.) Temos, assim, de nos resignar às conseqüências do meio onde nos coloca a nossa inferioridade, até que mereçamos passar a outro. Isso, no entanto, não é de molde a impedir que, esperando tal se dê, façamos o que de nós depende para melhorar as nossas condições atuais. Se, porém, mau grado aos nossos esforços, não o conseguirmos, o Espiritismo nos ensina a suportar com resignação os nossos passageiros males.
Se Deus não houvesse querido que os sofrimentos corporais se dissipassem ou abrandassem em certos casos, não houvera posto ao nosso alcance meios de cura. A esse respeito, a sua solicitude, em conformidade com o instinto de conservação, indica que é dever nosso procurar esses meios e aplicá-los.
A par da medicação ordinária, elaborada pela Ciência, o magnetismo nos dá a conhecer o poder da ação fluídica e o Espiritismo nos revela outra força poderosa na mediunidade curadora e a influência da prece. (Ver, no Cap. XXVI, a notícia sobre a mediunidade curadora.)
Prece. (Para ser dita pelo doente.) — Senhor, pois que és todo justiça, a enfermidade que te aprouve mandar-me necessariamente eu a merecia, visto que nunca impões sofrimento algum sem causa. Confio-me, para minha cura, à tua infinita misericórdia. Se for do teu agrado restituir-me a saúde, bendito seja o teu santo nome. Se, ao contrário, me cumpre sofrer mais, bendito seja ele do mesmo modo. Submeto-me, sem queixas, aos teus sábios desígnios, porquanto o que fazes só pode ter por fim o bem das tuas criaturas.
Dá, ó meu Deus, que esta enfermidade seja para mim um aviso salutar e me leve a refletir sobre a minha conduta. Aceito-a como uma expiação do passado e como uma prova para a minha fé e a minha submissão à tua santa vontade.
Prece. (Pelo doente.) — Meu Deus, são impenetráveis os teus desígnios e na tua sabedoria entendeste de afligir a N... pela enfermidade. Lança, eu te suplico, um olhar de compaixão sobre os seus sofrimentos e digna-te de pôr-lhes termo.
Bons Espíritos, ministros do Onipotente, secundai, eu vos peço, o meu desejo de aliviá-lo; encaminhai o meu pensamento, a fim de que vá derramar um bálsamo salutar em seu corpo e a consolação em sua alma.
Inspirai-lhe a paciência e a submissão à vontade de Deus; dai-lhe a força de suportar suas dores com resignação cristã, a fim de que não perca o fruto desta prova.
Prece. (Para ser dita pelo médium curador.) — Meu Deus, se te dignas servir-te de mim, indigno como sou, poderei curar esta enfermidade, se assim o quiseres, porque em ti deposito fé. Mas, sem ti, nada posso. Permite que os bons Espíritos me cumulem de seus fluidos benéficos, a fim de que eu os transmita a esse doente, e livra-me de toda idéia de orgulho e de egoísmo que lhes pudesse alterar a pureza.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVIII, itens 77 a 80.)

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O Espiritismo

 

O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele no-lo mostra, não mais como coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma das forças vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o domino do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que o Cristo alude em muitas circunstâncias e daí vem que muito do que ele disse permaneceu ininteligível ou falsamente interpretado. O Espiritismo é a chave com o auxilio da qual tudo se explica de modo fácil.
A lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua personificação; a do Novo Testamento tem-na no Cristo. O Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não tem a personificá-la nenhuma individualidade, porque é fruto do ensino dado, não por um homem, sim pelos Espíritos, que são as vozes do Céu, em todos os pontos da Terra, com o concurso de uma multidão inumerável de intermediários. É, de certa maneira, um ser coletivo, formado pelo conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um dos quais traz o tributo de suas luzes aos homens, para lhes tornar conhecido esse mundo e a sorte que os espera.
Assim como o Cristo disse: “Não vim destruir a lei, porém cumpri-la”, também o Espiritismo diz: “Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução.” Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I, itens 5 a 7.)

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Transmissão de riqueza


O princípio, segundo o qual ele é apenas depositário da fortuna de que Deus lhe permite gozar durante a vida, tira ao homem o direito de transmiti-la aos seus descendentes?
O homem pode perfeitamente transmitir, por sua morte, aquilo de que gozou durante a vida, porque o efeito desse direito está subordinado sempre à vontade de Deus, que pode, quando quiser, impedir que aqueles descendentes gozem do que lhes foi transmitido. Não é outra a razão por que desmoronam fortunas que parecem solidamente constituídas. É, pois, impotente a vontade do homem para conservar nas mãos da sua descendência a fortuna que possua. Isso, entretanto, não o priva do direito de transmitir o empréstimo que recebeu de Deus, uma vez que Deus pode retirá-lo, quando o julgue oportuno. — São Luís. (Paris, 1860.)

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 15.)

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Obediência e resignação


A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antigüidade material desprezava. Ele veio no momento em que a sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Veio fazer que, no seio da Humanidade deprimida, brilhassem os triunfos do sacrifico e da renúncia carnal.
Cada época é marcada, assim, com o cunho da virtude ou do vício que a tem de salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a atividade intelectual; seu vicio é a indiferença moral. Digo, apenas, atividade, porque o gênio se eleva de repente e descobre, por si só, horizontes que a multidão somente mais tarde verá, enquanto que a atividade é a reunião dos esforços de todos para atingir um fim menos brilhante, mas que prova a elevação intelectual de uma época. Submetei-vos à impulsão que vimos dar aos vossos espíritos; obedecei à grande lei do progresso, que é a palavra da vossa geração. Ai do espírito preguiçoso, ai daquele que cerra o seu entendimento! Ai dele! porquanto nós, que somos os guias da Humanidade em marcha, lhe aplicaremos o látego e lhe submeteremos a vontade rebelde, por meio da dupla ação do freio e da espora. Toda resistência orgulhosa terá de, cedo ou tarde, ser vencida. Bem-aventurados, no entanto, os que são brandos, pois prestarão dócil ouvido aos ensinos. — Lázaro. (Paris, 1863.)

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX, item 8.)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Não vim trazer a paz, mas a divisão (II)

 É de notar-se que o Cristianismo surgiu quando o Paganismo já entrara em declínio e se debatia contra as luzes da razão. Ainda era praticado pro forma; a crença, porém, desaparecera; apenas o interesse pessoal o sustentava. Ora, é tenaz o interesse; jamais cede à evidência; irrita-se tanto mais quanto mais peremptórios e demonstrativos de seu erro são os argumentos que se lhe opõem. Sabe ele muito bem que está errado, mas isso não o abala, porquanto a verdadeira fé não lhe está na alma. O que mais teme é a luz, que dá vista aos cegos. É-lhe proveitoso o erro; ele se lhe agarra e o defende.

Sócrates, também, não ensinara uma doutrina até certo ponto análoga à do Cristo? Por que não prevaleceu naquela época a sua doutrina, no seio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que ainda não chegara o tempo. Ele semeou numa terra não lavrada; o Paganismo ainda se não achava gasto. O Cristo recebeu em propício tempo a sua missão. Muito faltava, é certo, para que todos os homens da sua época estivessem à altura das idéias cristãs, mas havia entre eles uma aptidão mais geral para as assimilar, pois que já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão haviam aberto o caminho e predisposto os espíritos. (Veja-se, na “Introdução”, o § IV: Sócrates e Platão, precursores da idéia cristã e do Espiritismo.)
Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, veladas, as mais das vezes, pela alegoria e pelas figuras da linguagem. Daí o nascerem, sem demora, numerosas seitas, pretendendo todas possuir, exclusivamente, a verdade e o não bastarem dezoito séculos para pô-las de acordo. Olvidando o mais importante dos preceitos divinos, o que Jesus colocou por pedra angular do seu edifício e como condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor do próximo, aquelas seitas lançaram anátema umas sobre as outras, e umas contra as outras se atiraram, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, aniquilando-as nas torturas e nas chamas das fogueiras. Vencedores do Paganismo, os cristãos, de perseguidos que eram, fizeram-se perseguidores. A ferro e fogo foi que se puseram a plantar a cruz do Cordeiro sem mácula nos dois mundos. É fato constante que as guerras de religião foram as mais cruéis, mais vítimas causaram do que as guerras políticas; em nenhumas outras se praticaram tantos atos de atrocidade e de barbárie.
Cabe a culpa à doutrina do Cristo? Não, decerto, que ela formalmente condena toda violência. Disse ele alguma vez a seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai os que não crerem como vós? Não; o que, ao contrário, lhes disse, foi:
Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos persigam. Disse-lhes, outrossim: Quem matar com a espada pela espada perecerá. A responsabilidade, portanto, não pertence à doutrina de Jesus, mas aos que a interpretaram falsamente e a transformaram em instrumento próprio a lhes satisfazer às paixões; pertence aos que desprezaram estas palavras: “Meu reino não é deste mundo.”
Em sua profunda sabedoria, ele tinha a previdência do que aconteceria. Mas, essas coisas eram inevitáveis, porque inerentes à inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se repentinamente. Cumpria que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos, para mostrar toda a sua força, visto que, mau grado a todo o mal cometido em seu nome, ele saiu dela puro. Jamais esteve em causa. As invectivas sempre recaíram sobre os que dele abusaram. A cada ato de intolerância, sempre se disse: Se o Cristianismo fosse mais bem compreendido e mais bem praticado, isso não se daria.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXIII, itens 14 e 15.)

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Fazer o bem sem ostentação

 

Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus. — Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. — Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; — a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará. (S. MATEUS, cap. VI, vv. 1 a 4.)
Tendo Jesus descido do monte, grande multidão o seguiu. Ao mesmo tempo, um leproso veio ao seu encontro e o adorou, dizendo: Senhor, se quiseres, poderás curar-me. — Jesus, estendendo a mão, o tocou e disse: Quero-o, fica curado; no mesmo instante desapareceu a lepra. — Disse-lhe então Jesus: abstém-te de falar disto a quem quer que seja; mas, vai mostrar-te aos sacerdotes e oferece o dom prescrito por Moisés, a fim de que lhes sirva de prova. (S. MATEUS, cap. VIII, vv. 1 a 4.)
Em fazer o bem sem ostentação há grande mérito; ainda mais meritório é ocultar a mão que dá; constitui marca incontestável de grande superioridade moral, porquanto, para encarar as coisas de mais alto do que o faz o vulgo, mister se torna abstrair da vida presente e identificar-se com a vida futura; numa palavra, colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação que advém do testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus. Aquele que prefere ao de Deus o sufrágio dos homens prova que mais fé deposita nestes do que na Divindade e que mais valor dá à vida presente do que à futura. Se diz o contrário, procede como se não cresse no que diz.
Quantos há que só dão na esperança de que o que recebe irá bradar por toda a parte o benefício recebido! Quantos os que, de público, dão grandes somas e que, entretanto, às ocultas, não dariam uma só moeda! Foi por isso que Jesus declarou: “Os que fazem o bem ostentosamente já receberam sua recompensa.”

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Caracteres do verdadeiro profeta

 

Desconfiai dos falsos profetas. É útil em todos os tempos essa recomendação, mas, sobretudo, nos momentos de transição em que, como no atual, se elabora uma transformação da Humanidade, porque, então, uma multidão de ambiciosos e intrigantes se arvoram em reformadores e messias. É contra esses impostores que se deve estar em guarda, correndo a todo homem honesto o dever de os desmascarar. Perguntareis, sem dúvida, como reconhecê-los. Aqui tendes o que os assinala:
Somente a um hábil general, capaz de o dirigir, se confia o comando de um exército. Julgais que Deus seja menos prudente do que os homens? Ficai certos de que só confia missões importantes aos que ele sabe capazes de as cumprir, porquanto as grandes missões são fardos pesados que esmagariam o homem carente de forças para carregá-los. Em todas as coisas, o mestre há de sempre saber mais do que o discípulo; para fazer que a Humanidade avance moralmente e intelectualmente, são precisos homens superiores em inteligência e em moralidade. Por isso, para essas missões são sempre escolhidos Espíritos já adiantados, que fizeram suas provas noutras existências, visto que, se não fossem superiores ao meio em que têm da atuar, nula lhes resultaria a ação.
Isto posto, haveis de concluir que o verdadeiro missionário de Deus tem de justificar, pela sua superioridade, pelas suas virtudes, pela grandeza, pelo resultado e pela influência moralizadora de suas obras, a missão de que se diz portador. Tirai também esta outra conseqüência: se, pelo seu caráter, pelas suas virtudes, pela sua inteligência, ele se mostra abaixo do papel com que se apresente, ou da personagem sob cujo nome se coloca, mais não é do que um histrião de baixo estofo, que nem sequer sabe imitar o modelo que escolheu.
Outra consideração: os verdadeiros missionários de Deus ignoram-se a si mesmos, em sua maior parte; desempenham a missão a que foram chamados pela força do gênio que possuem, secundado pelo poder oculto que os inspira e dirige a seu mau grado, mas sem desígnio premeditado. Numa palavra: os verdadeiros profetas se revelam por seus atos, são adivinhados, ao passo que os falsos profetas se dão, eles próprios, como enviados de Deus. O primeiro é humilde e modesto; o segundo, orgulhoso e cheio de si, fala com altivez e, como todos os mendazes, parece sempre temeroso de que não lhe dêem crédito.
Alguns desses impostores têm havido, pretendendo passar por apóstolos do Cristo, outros pelo próprio Cristo, e, para vergonha da Humanidade, hão encontrado pessoas assaz crédulas que lhes crêem nas torpezas. Entretanto, uma ponderação bem simples seria bastante a abrir os olhos do mais cego, a de que se o Cristo reencarnasse na Terra, viria com todo o seu poder e todas as suas virtudes, a menos se admitisse, o que fora absurdo, que houvesse degenerado. Ora, do mesmo modo que, se tirardes a Deus um só de seus atributos, já não tereis Deus, se tirardes uma só de suas virtudes ao Cristo, já não mais o tereis. Possuem todas as suas virtudes os que se dão como sendo o Cristo? Essa a questão. Observai-os, perscrutai-lhes as idéias e os atos e reconhecereis que, acima de tudo, lhes faltam as qualidades distintivas do Cristo; a humildade e a caridade, sobejando-lhes as que o Cristo não tinha: a cupidez e o orgulho. Notai, ao demais, que neste momento há, em vários países, muitos pretensos Cristos, como há muitos pretensos Elias, muitos S. João ou S. Pedro e que não é absolutamente possível sejam verdadeiros todos. Tende como certo que são apenas criaturas que exploram a credulidade dos outros e acham cômodo viver à custa dos que lhes prestam ouvidos.
Desconfiai, pois, dos falsos profetas, máxime numa época de renovação, qual a presente, porque muitos impostores se dirão enviados de Deus. Eles procuram satisfazer na Terra à sua vaidade; mas uma terrível justiça os espera, podeis estar certos. — Erasto. (Paris, 1862.)

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXI, item 9.)

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Bem e mal sofrer


Quando o Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence”, não se referia de modo geral aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta.
Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Ele já muitas vezes vos disse que não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações.
O militar que não é mandado para as linhas de fogo fica descontente, porque o repouso no campo nenhuma ascensão de posto lhe faculta. Sede, pois, como o militar e não desejeis um repouso em que o vosso corpo se enervaria e se entorpeceria a vossa alma. Alegrai-vos, quando Deus vos enviar para a luta. Não consiste esta no fogo da batalha, mas nos amargores da vida, onde, às vezes, de mais coragem se há mister do que num combate sangrento, porquanto não é raro que aquele que se mantém firme em presença do inimigo fraqueje nas tenazes de uma pena moral. Nenhuma recompensa obtém o homem por essa espécie de coragem; mas, Deus lhe reserva palmas de vitória e uma situação gloriosa. Quando vos advenha uma causa de sofrimento ou de contrariedade, sobreponde-vos a ela, e, quando houverdes conseguido dominar os ímpetos da impaciência, da cólera, ou do desespero, dizei, de vós para convosco, cheio de justa satisfação: “Fui o mais forte.”
Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim: Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso. — Lacordaire. (Havre, 1863.)

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, item 18.)

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Causas atuais das aflições (II)

 

A lei humana atinge certas faltas e as pune. Pode, então, o condenado reconhecer que sofre a conseqüência do que fez. Mas a lei não atinge, nem pode atingir todas as faltas; incide especialmente sobre as que trazem prejuízo à sociedade e não sobre as que só prejudicam os que as cometem, Deus, porém, quer que todas as suas criaturas progridam e, portanto, não deixa impune qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que seja, nenhuma infração da sua lei, que não acarrete forçosas e inevitáveis conseqüências, mais ou menos deploráveis. Daí se segue que, nas pequenas coisas, como nas grandes, o homem é sempre punido por aquilo em que pecou. Os sofrimentos que decorrem do pecado são-lhe uma advertência de que procedeu mal. Dão-lhe experiência, fazem-lhe sentir a diferença existente entre o bem e o mal e a necessidade de se melhorar para, de futuro, evitar o que lhe originou uma fonte de amarguras; sem o que, motivo não haveria para que se emendasse. Confiante na impunidade, retardaria seu avanço e, conseqüentemente, a sua felicidade futura.
Entretanto, a experiência, algumas vezes, chega um pouco tarde: quando a vida já foi desperdiçada e turbada; quando as forças já estão gastas e sem remédio o mal. Põe-se então o homem a dizer: “Se no começo dos meus dias eu soubera o que sei hoje, quantos passos em falso teria evitado! Se houvesse de recomeçar, conduzir-me-ia de outra maneira. No entanto, já não há mais tempo!” Como o obreiro preguiçoso, que diz: “Perdi o meu dia”, também ele diz: “Perdi a minha vida”. Contudo, assim como para o obreiro o Sol se levanta no dia seguinte, permitindo-lhe neste reparar o tempo perdido, também para o homem, após a noite do túmulo, brilhará o Sol de uma nova vida, em que lhe será possível aproveitar a experiência do passado e suas boas resoluções para o futuro.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, item 5.)

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A vingança


A vingança é um dos últimos remanescentes dos costumes bárbaros que tendem a desaparecer dentre os homens. É, como o duelo, um dos derradeiros vestígios dos hábitos selvagens sob cujos guantes se debatia a Humanidade, no começo da era cristã, razão por que a vingança constitui indício certo do estado de atraso dos homens que a ela se dão e dos Espíritos que ainda as inspirem. Portanto, meus amigos, nunca esse sentimento deve fazer vibrar o coração de quem quer que se diga e proclame espírita. Vingar-se é, bem o sabeis, tão contrário àquela prescrição do Cristo: “Perdoai aos vossos inimigos”, que aquele que se nega a perdoar não somente não é espírita como também não é cristão. A vingança é uma inspiração tanto mais funesta, quanto tem por companheiras assíduas a falsidade e a baixeza. Com efeito, aquele que se entrega a essa fatal e cega paixão quase nunca se vinga a céu aberto. Quando é ele o mais forte, cai qual fera sobre o outro a quem chama seu inimigo, desde que a presença deste último lhe inflame a paixão, a cólera, o ódio. Porém, as mais das vezes assume aparências hipócritas, ocultando nas profundezas do coração os maus sentimentos que o animam. Toma caminhos escusos, segue na sombra o inimigo, que de nada desconfia, e espera o momento azado para sem perigo feri-lo. Esconde-se do outro, espreitando-o de contínuo, prepara-lhe odiosas armadilhas e, em sendo propícia a ocasião, derrama-lhe no copo o veneno. Quando seu ódio não chega a tais extremos, ataca-o então na honra e nas afeições; não recua diante da calúnia, e suas pérfidas insinuações, habilmente espalhadas a todos os ventos, se vão avolumando pelo caminho. Em conseqüência, quando o perseguido se apresenta nos lugares por onde passou o sopro do perseguidor, espanta-se de dar com semblantes frios, em vez de fisionomias amigas e benevolentes que outrora o acolhiam. Fica estupefato quando mãos que se lhe estendiam, agora se recusam a apertar as suas. Enfim, sente-se aniquilado, ao verificar que os seus mais caros amigos e parentes se afastam e o evitam. Ah! o covarde que se vinga assim é cem vezes mais culpado do que o que enfrenta o seu inimigo e o insulta em plena face.
Fora, pois, com esses costumes selvagens! Fora com esses processos de outros tempos! Todo espírita que ainda hoje pretendesse ter o direito de vingar-se seria indigno de figurar por mais tempo na falange que tem como divisa: Sem caridade não há salvação! Mas, não, não posso deter-me a pensar que um membro da grande família espírita ouse jamais, de futuro, ceder ao impulso da vingança, senão para perdoar. — Júlio Olivier. (Paris, 1862.)

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XII, item 9.)

terça-feira, 11 de agosto de 2020

O mandamento maior. Fazermos aos outros o que queiramos que os outros nos façam. Parábola dos credores e dos devedores


Os fariseus, tendo sabido que ele tapara a boca dos saduceus, reuniram-se; e um deles, que era doutor da lei, para o tentar, propôs-lhe esta questão: — “Mestre, qual o mandamento maior da lei?” — Jesus respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este o maior e o primeiro mandamento. E aqui tendes o segundo, semelhante a esse: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo. — Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.” (S. MATEUS, cap. XXII, vv. 34 a 40.)
Fazei aos homens tudo o que queirais que eles vos façam, pois é nisto que consistem a lei e os profetas. (Idem, cap. VII, v. 12.)
Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem. (S. LUCAS, cap. VI, v. 31.)
O reino dos céus é comparável a um rei que quis tomar contas aos seus servidores. — Tendo começado a fazê-lo, apresentaram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. — Mas, como não tinha meios de os pagar, mandou seu senhor que o vendessem a ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que lhe pertencesse, para pagamento da dívida. — O servidor, lançando-se-lhe aos pés, o conjurava, dizendo: “Senhor, tem um pouco de paciência e eu te pagarei tudo.” — Então, o senhor, tocado de compaixão, deixou-o ir e lhe perdoou a dívida. — Esse servidor, porém, ao sair, encontrando um de seus companheiros, que lhe devia cem dinheiros, o segurou pela goela e, quase a estrangulá-lo, dizia: “Paga o que me deves.” — O companheiro, lançando-se aos pés, o conjurava, dizendo: “Tem um pouco de paciência e eu te pagarei tudo.” — Mas o outro não quis escutá-lo; foi-se e o mandou prender, par tê-lo preso até pagar o que lhe devia.
Os outros servidores, seus companheiros, vendo o que se passava, foram, extremamente aflitos, e informaram o senhor de tudo o que acontecera. — Então, o senhor, tendo mandado vir à sua presença aquele servidor, lhe disse: “Mau servo, eu te havia perdoado tudo o que me devias, porque mo pediste. — Não estavas desde então no dever de também ter piedade do teu companheiro, como eu tivera de ti?” E o senhor, tomado de cólera, o entregou aos verdugos, para que o tivessem, até que ele pagasse tudo o que devia.
É assim que meu Pai, que está no céu, vos tratará, se não perdoardes, do fundo do coração, as faltas que vossos irmãos houverem cometido contra cada um de vós. (S. MATEUS, cap. XVIII, vv. 23 a 35.)
“Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós”, é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros, aquilo que para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles? A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência mútua.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI, itens 1 a 4.)

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Necessidade da caridade, segundo S. Paulo

 

Ainda quando eu falasse todas as línguas dos homens e a língua dos próprios anjos, se eu não tiver caridade, serei como o bronze que soa e um címbalo que retine; — ainda quando tivesse o dom de profecia, que penetrasse todos os mistérios, e tivesse perfeita ciência de todas as coisas; ainda quando tivesse a fé possível, até o ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. — E, quando houver distribuído os meus bens para alimentar os pobres e houvesse entregado meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, tudo isso de nada me serviria.
A caridade é paciente; é branda e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária, nem precipitada; não se enche de orgulho; — não é desdenhosa; não cuida de seus interesses; não se agasta, nem se azeda com coisa alguma; não suspeita mal; não se rejubila com a injustiça, mas se rejubila com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.
Agora, estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade permanecem; mas, dentre elas, a mais excelente é a caridade (S. PAULO, 1ª Epístola aos Coríntios, cap. XIII, vv. 1 a 7 e 13.)
De tal modo compreendeu S. Paulo essa grande verdade, que disse: Quando mesmo eu tivesse a linguagem dos anjos; quando tivesse o dom de profecia, que penetrasse todos os mistérios; quando tivesse toda a fé possível, até ao ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. Dentre estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, a mais excelente é a caridade. Coloca assim, sem equívoco, a caridade acima até da fé. É que a caridade está ao alcance de toda gente: do ignorante, como do sábio, do rico, como do pobre, e independe de qualquer crença particular.
Faz mais: define a verdadeira caridade, mostra-a não só na beneficência, como também no conjunto de todas as qualidades do coração, na bondade e na benevolência para com o próximo.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XV, itens 6 e 7.)

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A verdadeira propriedade (II)

 

Os bens da Terra pertencem a Deus, que os distribui a seu grado, não sendo o homem senão o usufrutuário, o administrador mais ou menos íntegro e inteligente desses bens. Tanto eles não constituem propriedade individual do homem, que Deus freqüentemente anula todas as previsões e a riqueza foge àquele que se julga com os melhores títulos para possuí-la.
Direis, porventura, que isso se compreende no tocante aos bens hereditários, porém, não relativamente aos que são adquiridos pelo trabalho. Sem dúvida alguma, se há riquezas legitimas, são estas últimas, quando honestamente conseguidas, porquanto uma propriedade só é legitimamente adquirida quando, da sua aquisição, não resulta dano para ninguém. Contas serão pedidas até mesmo de um único ceitil mal ganho, isto é, com prejuízo de outrem. Mas, do fato de um homem dever a si próprio a riqueza que possua, seguir-se-á que, ao morrer, alguma vantagem lhe advenha desse fato? Não são amiúde inúteis as precauções que ele toma para transmiti-la a seus descendentes? Decerto, porquanto, se Deus não quiser que ela lhes vá ter às mãos, nada prevalecerá contra a sua vontade. Poderá o homem usar e abusar de seus haveres durante a vida, sem ter de prestar contas? Não. Permitindo-lhe que a adquirisse, é possível haja Deus tido em vista recompensar-lhe, no curso da existência atual, os esforços, a coragem, a perseverança. Se, porém, ele somente os utilizou na satisfação dos seus sentidos ou do seu orgulho; se tais haveres se lhe tornaram causa de falência, melhor fora não os ter possuído, visto que perde de um lado o que ganhou do outro, anulando o mérito de seu trabalho. Quando deixar a Terra, Deus lhe dirá que já recebeu a sua recompensa. — M., Espírito protetor. (Bruxelas, 1861.)

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 10.)

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Ressurreição e reencarnação (I)


Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, senador dos judeus — que veio à noite ter com Jesus e lhe disse: “Mestre, sabemos que vieste da parte de Deus para nos instruir como um doutor, porquanto ninguém poderia fazer os milagres que fazes, se Deus não estivesse com ele.” Jesus lhe respondeu: “Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.” Disse-lhe Nicodemos: “Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?” Retorquiu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade, digo-te: Se um homem não renasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. — O que é nascido da carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. — Não te admires de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo. — O Espírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem ele, nem para onde vai; o mesmo se dá com todo homem que é nascido do Espírito.” Respondeu-lhe Nicodemos: “Como pode isso fazer-se?” — Jesus lhe observou: “Pois quê! és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Digo-te em verdade, em verdade, que não dizemos senão o que sabemos e que não damos testemunho, senão do que temos visto. Entretanto, não aceitas o nosso testemunho. — Mas, se não me credes, quando vos falo das coisas da Terra, como me crereis, quando vos fale das coisas do céu?” (S. JOÃO, cap. III, vv. 1 a 12.)
A idéia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam reviver na Terra se nos depara em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima reproduzidas (n.º 1, n.º 2, n.º 3). Se fosse errônea essa crença, Jesus não houvera deixado de a combater, como combateu tantas outras. Longe disso, ele a sanciona com toda a sua autoridade e a põe por princípio e como condição necessária, quando diz: “Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.” E insiste, acrescentando: Não te admires de que eu te haja dito ser preciso nasças de novo.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV, itens 5 e 6.)

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Moisés


Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas: não os vim destruir, mas cumpri-los: — porquanto, em verdade vos digo que o céu e a Terra não passarão, sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto reste um único iota e um único ponto. (S. MATEUS, cap. V, vv. 17 e 18.)
Na lei mosaica, há duas partes distintas: a lei de Deus, promulgada no monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, decretada por Moisés. Uma é invariável; a outra, apropriada aos costumes e ao caráter do povo, se modifica com o tempo.
A lei de Deus está formulada nos dez mandamentos seguintes:
I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servidão. Não tereis, diante de mim, outros deuses estrangeiros. — Não fareis imagem esculpida, nem figura alguma do que está em cima do céu, nem embaixo na Terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não os adorareis e não lhes prestareis culto soberano.
II. Não pronunciareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus.
III. Lembrai-vos de santificar o dia do sábado.
IV. Honrai a vosso pai e a vossa mãe, a fim de viverdes longo tempo na terra que o Senhor vosso Deus vos dará.
V. Não mateis.
VI. Não cometais adultério.
VII. Não roubeis.
VIII. Não presteis testemunho falso contra o vosso próximo.
IX. Não desejeis a mulher do vosso próximo.
X. Não cobiceis a casa do vosso próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu asno, nem qualquer das coisas que lhe pertençam.
É de todos os tempos e de todos os países essa lei e tem, por isso mesmo, caráter divino. Todas as outras são leis que Moisés decretou, obrigado que se via a conter, pelo temor, um povo de seu natural turbulento e indisciplinado, no qual tinha ele de combater arraigados abusos e preconceitos, adquiridos durante a escravidão do Egito. Para imprimir autoridade às suas leis, houve de lhes atribuir origem divina, conforme o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A autoridade do homem precisava apoiar-se na autoridade de Deus; mas, só a idéia de um Deus terrível podia impressionar criaturas ignorantes, em as quais ainda pouco desenvolvidos se encontravam o senso moral e o sentimento de uma justiça reta. É evidente que aquele que incluíra, entre os seus mandamentos, este: “Não matareis; não causareis dano ao vosso próximo”, não poderia contradizer-se, fazendo da exterminação um dever. As leis mosaicas, propriamente ditas, revestiam, pois, um caráter essencialmente transitório.

 

(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I, itens 1 e 2.)

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Ação da prece. Transmissão do pensamento


A prece é uma invocação, mediante a qual o homem entra, pelo pensamento, em comunicação com o ser a quem se dirige. Pode ter por objeto um pedido, um agradecimento, ou uma glorificação. Podemos orar por nós mesmos ou por outrem, pelos vivos ou pelos mortos. As preces feitas a Deus escutam-nas os Espíritos incumbidos da execução de suas vontades; as que se dirigem aos bons Espíritos são reportadas a Deus. Quando alguém ora a outros seres que não a Deus, fá-lo recorrendo a intermediários, a intercessores, porquanto nada sucede sem a vontade de Deus.
O Espiritismo torna compreensível a ação da prece, explicando o modo de transmissão do pensamento, quer no caso em que o ser a quem oramos acuda ao nosso apelo, quer no em que apenas lhe chegue o nosso pensamento. Para apreendermos o que ocorre em tal circunstância, precisamos conceber mergulhados no fluido universal, que ocupa o espaço, todos os seres, encarnados e desencarnados, tal qual nos achamos, neste mundo, dentro da atmosfera. Esse fluido recebe da vontade uma impulsão; ele é o veículo do pensamento, como o ar o é do som, com a diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, ao passo que as do fluido universal se estendem ao infinito. Dirigido, pois, o pensamento para um ser qualquer, na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado, ou vice-versa, uma corrente fluídica se estabelece entre um e outro, transmitindo de um ao outro o pensamento, como o ar transmite o som.
A energia da corrente guarda proporção com a do pensamento e da vontade. É assim que os Espíritos ouvem a prece que lhes é dirigida, qualquer que seja o lugar onde se encontrem; é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem suas inspirações, que relações se estabelecem a distância entre encarnados.
Essa explicação vai, sobretudo, com vistas aos que não compreendem a utilidade da prece puramente mística. Não tem por fim materializar a prece, mas tornar-lhe inteligíveis os efeitos, mostrando que pode exercer ação direta e efetiva. Nem por isso deixa essa ação de estar subordinada à vontade de Deus, juiz supremo em todas as coisas, único apto a torná-la eficaz.
Pela prece, obtém o homem o concurso dos bons Espíritos que acorrem a sustentá-lo em suas boas resoluções e a inspirar-lhe idéias sãs. Ele adquire, desse modo, a força moral necessária a vencer as dificuldades e a volver ao caminho reto, se deste se afastou. Por esse meio, pode também desviar de si os males que atrairia pelas suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, vê arruinada a sua saúde, em conseqüência de excessos a que se entregou, e arrasta, até o termo de seus dias, uma vida de sofrimento: terá ele o direito de queixar-se, se não obtiver a cura que deseja? Não, pois que houvera podido encontrar na prece a força de resistir às tentações.


(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVII, itens 9 a 11.)