Conheça da doutrina Espírita

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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Mediunidade gratuita (II)

 
A par da questão moral, apresenta-se uma consideração efetiva não menos importante, que entende com a natureza mesma da faculdade. A mediunidade séria não pode ser e não o será nunca uma profissão, não só porque se desacreditaria moralmente, identificada para logo com a dos ledores da boa-sorte, como também porque um obstáculo a isso se opõe. É que se trata de uma faculdade essencialmente móvel, fugidia e mutável, com cuja perenidade, pois, ninguém pode contar.
Constituiria, portanto, para o explorador, uma fonte absolutamente incerta de receitas, de natureza a poder faltar-lhe no momento exato em que mais necessária lhe fosse. Coisa diversa é o talento adquirido pelo estudo, pelo trabalho e que, por essa razão mesma, representa uma propriedade da qual naturalmente lícito é, ao seu possuidor, tirar partido. A mediunidade, porém, não é uma arte, nem um talento, pelo que não pode tornar-se uma profissão. Ela não existe sem o concurso dos Espíritos; faltando estes, já não há mediunidade. Pode subsistir a aptidão, mas o seu exercício se anula. Daí vem não haver no mundo um único médium capaz de garantir a obtenção de qualquer fenômeno espírita em dado instante. Explorar alguém a mediunidade é, conseguintemente, dispor de uma coisa da qual não é realmente dono. Afirmar o contrário é enganar a quem paga. Há mais: não é de si próprio que o explorador dispõe; é do concurso dos Espíritos, das almas dos mortos, que ele põe a preço de moeda. Essa idéia causa instintiva repugnância. Foi esse tráfico, degenerado em abuso, explorado pelo charlatanismo, pela ignorância, pela credulidade e pela superstição que motivou a proibição de Moisés. O moderno Espiritismo, compreendendo o lado sério da questão, pelo descrédito a que lançou essa exploração, elevou a mediunidade à categoria de missão. (Veja-se: O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXVIII. — O Céu e o Inferno, 1ª Parte, cap. XI.)
A mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada santamente, religiosamente. Se há um gênero de mediunidade que requeira essa condição de modo ainda mais absoluto é a mediunidade curadora. O médico dá o fruto de seus estudos, feitos, muita vez, à custa de sacrifícios penosos. O magnetizador dá o seu próprio fluido, por vezes até a sua saúde. Podem pôr-lhes preço. O médium curador transmite o fluido salutar dos bons Espíritos; não tem o direito de vendê-lo. Jesus e os apóstolos, ainda que pobres, nada cobravam pelas curas que operavam.
Procure, pois, aquele que carece do que viver, recursos em qualquer parte, menos na mediunidade; não lhe consagre, se assim for preciso, senão o tempo de que materialmente possa dispor. Os Espíritos lhe levarão em conta o devotamento e os sacrifícios, ao passo que se afastam dos que esperam fazer deles uma escada por onde subam.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVI, itens 9 e 10.)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Dai a César o que é de César


Os fariseus, tendo-se retirado, entenderam-se entre si para enredá-lo com as suas próprias palavras. — Mandaram então seus discípulos, em companhia dos herodianos, dizer-lhe: Mestre, sabemos que és veraz e que ensinas o caminho de Deus pela verdade, sem levares em conta a quem quer que seja, porque, nos homens, não consideras as pessoas. Dize-nos, pois, qual a tua opinião sobre isto: É-nos permitido pagar ou deixar de pagar a César o tributo?
Jesus, porém, que lhes conhecia a malícia, respondeu:
Hipócritas, por que me tentais? Apresentai-me uma das moedas que se dão em pagamento do tributo. E, tendo-lhe eles apresentado um denário, perguntou Jesus: De quem são esta imagem e esta inscrição? — De César, responderam eles. Então, observou-lhes Jesus: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Ouvindo-o falar dessa maneira, admiraram-se eles da sua resposta e, deixando-o, se retiraram. (S. MATEUS, cap. XXII, vv. 15 a 22. — S. MARCOS, cap. XII, vv. 13 a 17.)
A questão proposta a Jesus era motivada pela circunstância de que os judeus, abominando o tributo que os romanos lhes impunham, haviam feito do pagamento desse tributo uma questão religiosa. Numeroso partido se fundara contra o imposto. O pagamento deste constituía, pois, entre eles, uma irritante questão de atualidade, sem o que nenhum senso teria a pergunta feita a Jesus: “É-nos lícito pagar ou deixar de pagar a César o tributo?” Havia nessa pergunta uma armadilha. Contavam os que a formularam poder, conforme a resposta, excitar contra ele a autoridade romana, ou os judeus dissidentes. Mas “Jesus, que lhes conhecia a malícia”, contornou a dificuldade, dando-lhes uma lição de justiça, com o dizer que a cada um seja dado o que lhe é devido.
Esta sentença: “Dai a César o que é de César”, não deve, entretanto, ser entendida de modo restritivo e absoluto. Como em todos os ensinos de Jesus, há nela um princípio geral, resumido sob forma prática e usual e deduzido de uma circunstância particular. Esse princípio é conseqüente daquele segundo o qual devemos proceder para com os outros como queiramos que os outros procedam para conosco. Ele condena todo prejuízo material e moral que se possa causar a outrem, toda postergação de seus interesses. Prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja que se respeitem os seus. Estende-se mesmo aos deveres contraídos para com a família, a sociedade, a autoridade, tanto quanto para com os indivíduos em geral.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI, itens 5 a 7.)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros, quando daí nenhum proveito possa resultar para eles, uma vez que não sejam divulgadas?

Tudo depende da intenção. Decerto, a ninguém é defeso ver o mal, quando ele existe. Fora mesmo inconveniente ver em toda a parte só o bem. Semelhante ilusão prejudicaria o progresso. O erro está no fazer-se que a observação redunde em detrimento do próximo, desacreditando-o, sem necessidade, na opinião geral. Igualmente repreensível seria fazê-lo alguém apenas para dar expansão a um sentimento de malevolência e à satisfação de apanhar os outros em falta. Dá-se inteiramente o contrário quando, estendendo sobre o mal um véu, para que o público não o veja, aquele que note os defeitos do próximo o faça em seu proveito pessoal, isto é, para se exercitar em evitar o que reprova nos outros. Essa observação, em suma, não é proveitosa ao moralista? Como pintaria ele os defeitos humanos, se não estudasse os modelos? — S. Luís. (Paris, 1860.)
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X, item 20.)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A beneficência (III)

 
Chamo-me Caridade; sigo o caminho principal que conduz a Deus. Acompanhai-me, pois conheço a meta a que deveis todos visar.
Dei esta manhã o meu giro habitual e, com o coração amargurado, venho dizer-vos: Oh! meus amigos, que de misérias, que de lágrimas, quanto tendes de fazer para secá-las todas! Em vão, procurei consolar algumas pobres mães, dizendo-lhes ao ouvido: Coragem! há corações bons que velam por vós; não sereis abandonadas; paciência! Deus lá está; sois dele amadas, sois suas eleitas. Elas pareciam ouvir-me e volviam para o meu lado os olhos arregalados de espanto; eu lhes lia no semblante que seus corpos, tiranos do Espírito, tinham fome e que, se é certo que minhas palavras lhes serenavam um pouco os corações, não lhes reconfortavam os estômagos. Repetia-lhes: Coragem! Coragem! Então, uma pobre mãe, ainda muito moça, que amamentava uma criancinha, tomou-a nos braços e a estendeu no espaço vazio, como a pedir-me que protegesse aquele entezinho que só encontrava, num seio estéril, insuficiente alimentação.
Alhures vi, meus amigos, pobres velhos sem trabalho e, em conseqüência, sem abrigo, presas de todos os sofrimentos da penúria e, envergonhados de sua miséria, sem ousarem, eles que nunca mendigaram, implorar a piedade dos transeuntes. Com o coração túmido de compaixão, eu, que nada tenho, me fiz mendiga para eles e vou, por toda a parte, estimular a beneficência, inspirar bons pensamentos aos corações generosos e compassivos. Por isso é que aqui venho, meus amigos, e vos digo: Há por aí desgraçados, em cujas choupanas falta o pão, os fogões se acham sem lume e os leitos sem cobertas. Não vos digo o que deveis fazer; deixo aos vossos bons corações a iniciativa. Se eu vos ditasse o proceder, nenhum mérito vos traria a vossa boa ação. Digo-vos apenas: Sou a caridade e vos estendo as mãos pelos vossos irmãos que sofrem.
Mas, se peço, também dou e dou muito. Convido-vos para um grande banquete e forneço a árvore onde todos vos saciareis! Vede quanto é bela, como está carregada de flores e de frutos! Ide, ide, colhei, apanhai todos os frutos dessa magnificente árvore que se chama a beneficência. No lugar dos ramos que lhe tirardes, atarei todas as boas ações que praticardes e levarei a árvore a Deus, que a carregará de novo, porquanto a beneficência é inexaurível. Acompanhai-me, pois, meus amigos, a fim de que eu vos conte entre os que se arrolam sob a minha bandeira. Nada temais; eu vos conduzirei pelo caminho da salvação, porque sou — a Caridade. – Cárita, martirizada em Roma. (Lião, 1861.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIII, item 13.)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O orgulho e a humildade (IV)


Quando Moisés subiu ao monte Sinai para receber os mandamentos de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o Deus verdadeiro. Homens e mulheres deram o ouro e as jóias que possuíam, para que se construísse um ídolo que entraram a adorar. Vós outros, homens civilizados, os imitais. O Cristo vos legou a sua doutrina; deu-vos o exemplo de todas as virtudes e tudo abandonastes, exemplos e preceitos. Concorrendo para isso com as vossas paixões, fizestes um Deus a vosso jeito: segundo uns, terrível e sanguinário; segundo outros, alheado dos interesses do mundo. O Deus que fabricastes é ainda o bezerro de ouro que cada um adapta aos seus gostos e às suas idéias.
Despertai, meus irmãos, meus amigos. Que a voz dos Espíritos ecoe nos vossos corações. Sede generosos e caridosos, sem ostentação, isto é, fazei o bem com humildade. Que cada um proceda pouco a pouco à demolição dos altares que todos ergueram ao orgulho. Numa palavra: sede verdadeiros cristãos e tereis o reino da verdade. Não continueis a duvidar da bondade de Deus, quando dela vos dá ele tantas provas. Vimos preparar os caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor vos der uma manifestação mais retumbante da sua demência, que o enviado celeste já vos encontre formando uma grande família; que os vossos corações, mansos e humildes, sejam dignos de ouvir a palavra divina que ele vos vem trazer; que ao eleito somente se deparem em seu caminho as palmas que aí tenhais deposto, volvendo ao bem, à caridade, à fraternidade. Então, o vosso mundo se tornará o paraíso terrestre. Mas, se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos enviados para depurar e renovar a vossa sociedade civilizada, rica de ciências, mas, no entanto, tão pobre de bons sentimentos, ah! então não nos restará senão chorar e gemer pela vossa sorte. Mas, não, assim não será. Voltai para Deus, vosso pai, e todos nós que houvermos contribuído para o cumprimento da sua vontade entoaremos o cântico de ação de graças, agradecendo-lhe a inesgotável bondade e glorificando-o por todos os séculos dos séculos. Assim seja. - Lacordaire. (Constantina, 1863.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VII, item 11.)

sábado, 25 de janeiro de 2014

Eficácia da prece

 
Seja o que for que peçais na prece, crede que o obtereis e concedido vos será o que pedirdes. (S. MARCOS, cap. XI, v. 24.)
Há quem conteste a eficácia da prece, com fundamento no princípio de que, conhecendo Deus as nossas necessidades, inútil se torna expor-lhas. E acrescentam os que assim pensam que, achando-se tudo no Universo encadeado por leis eternas, não podem as nossas súplicas mudar os decretos de Deus.
Sem dúvida alguma, há leis naturais e imutáveis que não podem ser ab-rogadas ao capricho de cada um; mas, daí a crer-se que todas as circunstâncias da vida estão submetidas à fatalidade, vai grande distância. Se assim fosse, nada mais seria o homem do que instrumento passivo, sem livre-arbítrio e sem iniciativa. Nessa hipótese, só lhe caberia curvar a cabeça ao jugo dos acontecimentos, sem cogitar de evitá-los; não devera ter procurado desviar o raio. Deus não lhe outorgou a razão e a inteligência, para que ele as deixasse sem serventia; a vontade, para não querer; a atividade, para ficar inativo. Sendo livre o homem de agir num sentido ou noutro, seus atos lhe acarretam, e aos demais, conseqüências subordinadas ao que ele faz ou não. Há, pois, devidos à sua iniciativa, sucessos que forçosamente escapam à fatalidade e que não quebram a harmonia das leis universais, do mesmo modo que o avanço ou o atraso do ponteiro de um relógio não anula a lei do movimento sobre a qual se funda o mecanismo. Possível é, portanto, que Deus aceda a certos pedidos, sem perturbar a imutabilidade das leis que regem o conjunto, subordinada sempre essa anuência à sua vontade.
Desta máxima: “Concedido vos será o que quer que pedirdes pela prece”, fora ilógico deduzir que basta pedir para obter e fora injusto acusar a Providência se não acede a toda súplica que se lhe faça, uma vez que ela sabe, melhor do que nós, o que é para nosso bem. É como procede um pai criterioso que recusa ao filho o que seja contrário aos seus interesses. Em geral, o homem apenas vê o presente; ora, se o sofrimento é de utilidade para a sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer, como o cirurgião deixa que o doente sofra as dores de uma operação que lhe trará a cura.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVII, itens 5 a 7.)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Não vim trazer a paz, mas a divisão (II)

 
É de notar-se que o Cristianismo surgiu quando o Paganismo já entrara em declínio e se debatia contra as luzes da razão. Ainda era praticado pro forma; a crença, porém, desaparecera; apenas o interesse pessoal o sustentava. Ora, é tenaz o interesse; jamais cede à evidência; irrita-se tanto mais quanto mais peremptórios e demonstrativos de seu erro são os argumentos que se lhe opõem. Sabe ele muito bem que está errado, mas isso não o abala, porquanto a verdadeira fé não lhe está na alma. O que mais teme é a luz, que dá vista aos cegos. É-lhe proveitoso o erro; ele se lhe agarra e o defende.
Sócrates, também, não ensinara uma doutrina até certo ponto análoga à do Cristo? Por que não prevaleceu naquela época a sua doutrina, no seio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que ainda não chegara o tempo. Ele semeou numa terra não lavrada; o Paganismo ainda se não achava gasto. O Cristo recebeu em propício tempo a sua missão. Muito faltava, é certo, para que todos os homens da sua época estivessem à altura das idéias cristãs, mas havia entre eles uma aptidão mais geral para as assimilar, pois que já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão haviam aberto o caminho e predisposto os espíritos. (Veja-se, na “Introdução”, o § IV: Sócrates e Platão, precursores da idéia cristã e do Espiritismo.)
Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, veladas, as mais das vezes, pela alegoria e pelas figuras da linguagem. Daí o nascerem, sem demora, numerosas seitas, pretendendo todas possuir, exclusivamente, a verdade e o não bastarem dezoito séculos para pô-las de acordo. Olvidando o mais importante dos preceitos divinos, o que Jesus colocou por pedra angular do seu edifício e como condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor do próximo, aquelas seitas lançaram anátema umas sobre as outras, e umas contra as outras se atiraram, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, aniquilando-as nas torturas e nas chamas das fogueiras. Vencedores do Paganismo, os cristãos, de perseguidos que eram, fizeram-se perseguidores. A ferro e fogo foi que se puseram a plantar a cruz do Cordeiro sem mácula nos dois mundos. É fato constante que as guerras de religião foram as mais cruéis, mais vítimas causaram do que as guerras políticas; em nenhumas outras se praticaram tantos atos de atrocidade e de barbárie.
Cabe a culpa à doutrina do Cristo? Não, decerto, que ela formalmente condena toda violência. Disse ele alguma vez a seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai os que não crerem como vós? Não; o que, ao contrário, lhes disse, foi:
Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos persigam. Disse-lhes, outrossim: Quem matar com a espada pela espada perecerá. A responsabilidade, portanto, não pertence à doutrina de Jesus, mas aos que a interpretaram falsamente e a transformaram em instrumento próprio a lhes satisfazer às paixões; pertence aos que desprezaram estas palavras: “Meu reino não é deste mundo.”
Em sua profunda sabedoria, ele tinha a previdência do que aconteceria. Mas, essas coisas eram inevitáveis, porque inerentes à inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se repentinamente. Cumpria que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos, para mostrar toda a sua força, visto que, mau grado a todo o mal cometido em seu nome, ele saiu dela puro. Jamais esteve em causa. As invectivas sempre recaíram sobre os que dele abusaram. A cada ato de intolerância, sempre se disse: Se o Cristianismo fosse mais bem compreendido e mais bem praticado, isso não se daria.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXIII, itens 14 e 15.)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O ponto de vista (II)

 
Se toda a gente pensasse dessa maneira – ou seja, e desse reduzida importância aos bens terrenos –, dir-se-ia, tudo na Terra periclitaria, porquanto ninguém mais se iria ocupar com as coisas terrenas. Não; o homem, instintivamente, procura o seu bem-estar e, embora certo de que só por pouco tempo permanecerá no lugar em que se encontra, cuida de estar aí o melhor ou o menos mal que lhe seja possível. Ninguém há que, dando com um espinho debaixo de sua mão, não a retire, para se não picar. Ora, o desejo do bem-estar força o homem a tudo melhorar, impelido que é pelo instinto do progresso e da conservação, que está nas leis da Natureza. Ele, pois, trabalha por necessidade, por gosto e por dever, obedecendo, desse modo, aos desígnios da Providência que, para tal fim, o pôs na Terra. Simplesmente, aquele que se preocupa com o futuro não liga ao presente mais do que relativa importância e facilmente se consola dos seus insucessos, pensando no destino que o aguarda.
Deus, conseguintemente, não condena os gozos terrenos; condena, sim, o abuso desses gozos em detrimento das coisas da alma. Contra tais abusos é que se premunem os que a si próprios aplicam estas palavras de Jesus: Meu reino não é deste mundo.
Aquele que se identifica com a vida futura assemelha-se ao rico que perde sem emoção uma pequena soma. Aquele cujos pensamentos se concentram na vida terrestre assemelha-se ao pobre que perde tudo o que possui e se desespera.
O Espiritismo dilata o pensamento e lhe rasga horizontes novos. Em vez dessa visão, acanhada e mesquinha, que o concentra na vida atual, que faz do instante que vivemos na Terra único e frágil eixo do porvir eterno, ele, o Espiritismo, mostra que essa vida não passa de um elo no harmonioso e magnífico conjunto da obra do Criador. Mostra a solidariedade que conjuga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Faculta assim uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da alma por ocasião do nascimento de cada corpo torna estranhos uns aos outros todos os seres. Essa solidariedade entre as partes de um mesmo todo explica o que inexplicável se apresenta, desde que se considere apenas um ponto. Esse conjunto, ao tempo do Cristo, os homens não o teriam podido compreender, motivo por que ele reservou para outros tempos o fazê-lo conhecido.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. II, itens 6 e 7.)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Deixar aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos

 
Disse a outro: Segue-me; e o outro respondeu: Senhor, consente que, primeiro, eu vá enterrar meu pai. — Jesus lhe retrucou: Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o reino de Deus. (S. LUCAS, cap. IX, vv. 59 e 60.)
Que podem significar estas palavras: “Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos”? As considerações precedentes mostram, em primeiro lugar, que, nas circunstâncias em que foram proferidas, não podiam conter censura àquele que considerava um dever de piedade filial ir sepultar seu pai. Tem, no entanto, um sentido profundo, que só o conhecimento mais completo da vida espiritual podia tornar perceptível.
A vida espiritual é, com efeito, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito, sendo-lhe transitória e passageira a existência terrestre, espécie de morte, se comparada ao esplendor e à atividade da outra. O corpo não passa de simples vestimenta grosseira que temporariamente cobre o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual se sente ele feliz em libertar-se. O respeito que aos mortos se consagra não é a matéria que o inspira; é, pela lembrança, o Espírito ausente quem o infunde. Ele é análogo àquele que se vota aos objetos que lhe pertenceram, que ele tocou e que as pessoas que lhe são afeiçoadas guardam como relíquias. Era isso o que aquele homem não podia por si mesmo compreender. Jesus lho ensina, dizendo: Não te preocupes com o corpo, pensa antes no Espírito; vai ensinar o reino de Deus; vai dizer aos homens que a pátria deles não é a Terra, mas o céu, porquanto somente lá transcorre a verdadeira vida.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXIII, itens 7 e 8.)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Observai os pássaros do céu (II)

 
A Terra produzirá o suficiente para alimentar a todos os seus habitantes, quando os homens souberem administrar, segundo as leis de justiça, de caridade e de amor ao próximo, os bens que ela dá. Quando a fraternidade reinar entre os povos, como entre as províncias de um mesmo império, o momentâneo supérfluo de um suprirá a momentânea insuficiência do outro; e cada um terá o necessário. O rico, então, considerar-se-á como um que possui grande quantidade de sementes; se as espalhar, elas produzirão pelo cêntuplo para si e para os outros; se, entretanto, comer sozinho as sementes, se as desperdiçar e deixar se perca o excedente do que haja comido, nada produzirão, e não haverá o bastante para todos.
Se as amontoar no seu celeiro, os vermes as devorarão. Daí o haver Jesus dito: “Não acumuleis tesouros na Terra, pois que são perecíveis; acumulai-os no céu, onde são eternos.” Em outros termos: não ligueis aos bens materiais mais importância do que aos espirituais e sabei sacrificar os primeiros aos segundos. (Cap. XVI, nº 7 e seguintes.)
A caridade e a fraternidade não se decretam em leis. Se uma e outra não estiverem no coração, o egoísmo aí sempre imperará. Cabe ao Espiritismo fazê-las penetrar nele.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXV, item 8.)

sábado, 18 de janeiro de 2014

A reencarnação fortalece os laços de família (III)

 
Vejamos agora as conseqüências da doutrina anti-reencarcionista. Ela, necessariamente, anula a preexistência da alma. Sendo estas criadas ao mesmo tempo que os corpos, nenhum laço anterior há entre elas, que, nesse caso, serão completamente estranhas umas às outras. O pai é estranho a seu filho. A filiação das famílias fica assim reduzida à só filiação corporal, sem qualquer laço espiritual. Não há então motivo algum para quem quer que seja glorificar-se de haver tido por antepassados tais ou tais personagens ilustres. Com a reencarnação, ascendentes e descendentes podem já se terem conhecido, vivido juntos, amado, e podem reunir-se mais tarde, a fim de apertarem entre si os laços de simpatia.
Isso quanto ao passado. Quanto ao futuro, segundo um dos dogmas fundamentais que decorrem da não-reencarnação, a sorte das almas se acha irrevogavelmente determinada, após uma só existência. A fixação definitiva da sorte implica a cessação de todo progresso, pois desde que haja qualquer progresso já não há sorte definitiva. Conforme tenham vivido bem ou mal, elas vão imediatamente para a mansão dos bem-aventurados, ou para o inferno eterno. Ficam assim, imediatamente e para sempre, separadas e sem esperança de tornarem a juntar-se, de forma que pais, mães e filhos, mandos e mulheres, irmãos, irmãs e amigos jamais podem estar certos de se verem novamente; é a ruptura absoluta dos laços de família.
Com a reencarnação e progresso a que dá lugar, todos os que se amaram tornam a encontrar-se na Terra e no espaço e juntos gravitam para Deus. Se alguns fraquejam no caminho, esses retardam o seu adiantamento e a sua felicidade, mas não há para eles perda de toda esperança. Ajudados, encorajados e amparados pelos que os amam, um dia sairão do lodaçal em que se enterraram. Com a reencarnação, finalmente, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, e, daí, estreitamento dos laços de afeição.
Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu futuro de além-túmulo: 1ª, o nada, de acordo com a doutrina materialista; 2ª, a absorção no todo universal, de acordo com a doutrina panteísta; 3ª, a individualidade, com fixação definitiva da sorte, segundo a doutrina da Igreja; 4ª, a individualidade, com progressão indefinita, conforme a Doutrina Espírita. Segundo as duas primeiras, os laços de família se rompem por ocasião da morte e nenhuma esperança resta às almas de se encontrarem futuramente. Com a terceira, há para elas a possibilidade de se tornarem a ver, desde que sigam para a mesma região, que tanto pode ser o inferno como o paraíso. Com a pluralidade das existências, inseparável da progressão gradativa, há a certeza na continuidade das relações entre os que se amaram, e é isso o que constitui a verdadeira família.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV, itens 21 a 23.)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Emprego da riqueza (II)

 
Quando considero a brevidade da vida, dolorosamente me impressiona a incessante preocupação de que é para vós objeto o bem-estar material, ao passo que tão pouca importância dais ao vosso aperfeiçoamento moral, a que pouco ou nenhum tempo consagrais e que, no entanto, é o que importa para a eternidade. Dir-se-ia, diante da atividade que desenvolveis, tratar-se de uma questão do mais alto interesse para a humanidade, quando não se trata, na maioria dos casos, senão de vos pordes em condições de satisfazer a necessidades exageradas, à vaidade, ou de vos entregardes a excessos. Que de penas, de amofinações, de tormentos cada um se impõe; que de noites de insônia, para aumentar haveres muitas vezes mais que suficientes! Por cúmulo de cegueira, freqüentemente se encontram pessoas, escravizadas a penosos trabalhos pelo amor imoderado da riqueza e dos gozos que ela proporciona, a se vangloriarem de viver uma existência dita de sacrifício e de mérito — como se trabalhassem para os outros e não para si mesmas! Insensatos! Credes, então, realmente, que vos serão levados em conta os cuidados e os esforços que despendeis movidos pelo egoísmo, pela cupidez ou pelo orgulho, enquanto negligenciais do vosso futuro, bem como dos deveres que a solidariedade fraterna impõe a todos os que gozam das vantagens da vida social? Unicamente no vosso corpo haveis pensado; seu bem-estar, seus prazeres foram o objeto exclusivo da vossa solicitude egoística. Por ele, que morre, desprezastes o vosso Espírito, que viverá sempre. Por isso mesmo, esse senhor tão animado e acariciado se tornou o vosso tirano; ele manda sobre o vosso Espírito, que se lhe constituiu escravo. Seria essa a finalidade da existência que Deus vos outorgou? — Um Espírito Protetor. (Cracóvia, 1861.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 12.)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O jugo leve

 
Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo. (S. MATEUS, cap. XI, vv. 28 a 30.)
Todos os sofrimentos: misérias, decepções, dores físicas, perda de seres amados, encontram consolação em a fé no futuro, em a confiança na justiça de Deus, que o Cristo veio ensinar aos homens. Sobre aquele que, ao contrário, nada espera após esta vida, ou que simplesmente duvida, as aflições caem com todo o seu peso e nenhuma esperança lhe mitiga o amargor. Foi isso que levou Jesus a dizer: “Vinde a mim todos vós que estais fatigados, que eu vos aliviarei.”
Entretanto, faz depender de uma condição a sua assistência e a felicidade que promete aos aflitos. Essa condição está na lei por ele ensinada. Seu jugo é a observância dessa lei; mas, esse jugo é leve e a lei é suave, pois que apenas impõe, como dever, o amor e a caridade.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI, itens 1 e 2.)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A beneficência (II)

 
Sede bons e caridosos: essa a chave dos céus, chave que tendes em vossas mãos. Toda a eterna felicidade se contém neste preceito: “Amai-vos uns aos outros.” Não pode a alma elevar-se às altas regiões espirituais, senão pelo devotamento ao próximo; somente nos arroubos da caridade encontra ela ventura e consolação. Sede bons, amparai os vossos irmãos, deixai de lado a horrenda chaga do egoísmo. Cumprido esse dever, abrir-se-vos-á o caminho da felicidade eterna. Ao demais, qual dentre vós ainda não sentiu o coração pulsar de júbilo, de íntima alegria, à narrativa de um ato de bela dedicação, de uma obra verdadeiramente caridosa? Se unicamente buscásseis a volúpia que uma ação boa proporciona, conservar-vos-íeis sempre na senda do progresso espiritual. Não vos faltam os exemplos; rara é apenas a boa-vontade. Notai que a vossa história guarda piedosa lembrança de uma multidão de homens de bem.
Não vos disse Jesus tudo o que concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que desprezar os seus ensinamentos divinos? Por que fechar o ouvido às suas divinas palavras, o coração a todos os seus bondosos preceitos? Quisera eu que dispensassem mais interesse, mais fé às leituras evangélicas. Desprezam, porém, esse livro, consideram-no repositório de palavras ocas, uma carta fechada; deixam no esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm todos do abandono voluntário a que votais esse resumo das leis divinas. Lede-lhe as páginas cintilantes do devotamento de Jesus, e meditai-as.
Homens fortes, armai-vos; homens fracos, fazei da vossa brandura, da vossa fé, as vossas armas. Sede mais persuasivos, mais constantes na propagação da vossa nova doutrina. Apenas encorajamento é o que vos vimos dar; apenas para vos estimularmos o zelo e as virtudes é que Deus permite nos manifestemos a vós outros. Mas, se cada um o quisesse, bastaria a sua própria vontade e a ajuda de Deus; as manifestações espíritas unicamente se produzem para os de olhos fechados e corações indóceis.
A caridade é a virtude fundamental sobre que há de repousar todo o edifício das virtudes terrenas. Sem ela não existem as outras. Sem a caridade não há esperar melhor sorte, não há interesse moral que nos guie; sem a caridade não há fé, pois a fé não é mais do que pura luminosidade que torna brilhante uma alma caridosa.
A caridade é, em todos os mundos, a eterna âncora de salvação; é a mais pura emanação do próprio Criador; é a sua própria virtude, dada por ele à criatura. Como desprezar essa bondade suprema? Qual o coração, disso ciente, bastante perverso para recalcar em si e expulsar esse sentimento todo divino? Qual o filho bastante mau para se rebelar contra essa doce carícia: a caridade?
Não ouso falar do que fiz, porque também os Espíritos têm o pudor de suas obras; considero, porém, a que iniciei como uma das que mais hão de contribuir para o alívio dos vossos semelhantes. Vejo com freqüência os Espíritos a pedirem lhes seja dado, por missão, continuar a minha tarefa. Vejo-os, minhas bondosas e queridas irmãs, no piedoso e divino ministério; vejo-os praticando a virtude que vos recomendo, com todo o júbilo que deriva de uma existência de dedicação e sacrifícios. Imensa dita é a minha, por ver quanto lhes honra o caráter, quão estimada e protegida é a missão que desempenham. Homens de bem, de boa e firme vontade, uni-vos para continuar amplamente a obra de propagação da caridade; no exercício mesmo dessa virtude, encontrareis a vossa recompensa; não há alegria espiritual que ela não proporcione já na vida presente. Sede unidos, amai-vos uns aos outros, segundo os preceitos do Cristo. Assim seja. — S. Vicente de Paulo. (Paris, 1858.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIII, item 12.)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A cólera (II)

 
Segundo a idéia falsíssima de que lhe não é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa-vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados. É assim, por exemplo, que o indivíduo, propenso a encolerizar-se, quase sempre se desculpa com o seu temperamento. Em vez de se confessar culpado, lança a culpa ao seu organismo, acusando a Deus, dessa forma, de suas próprias faltas. É ainda uma conseqüência do orgulho que se encontra de permeio a todas as suas imperfeições.
Indubitavelmente, temperamentos há que se prestam mais que outros a atos violentos, como há músculos mais flexíveis que se prestam melhor aos atos de força. Não acrediteis, porém, que aí resida a causa primordial da cólera e persuadi-vos de que um Espírito pacífico, ainda que num corpo bilioso, será sempre pacífico, e que um Espírito violento, mesmo num corpo linfático, não será brando; somente, a violência tomará outro caráter. Não dispondo de um organismo próprio a lhe secundar a violência, a cólera tornar-se-á concentrada, enquanto no outro caso será expansiva.
O corpo não dá cólera àquele que não na tem, do mesmo modo que não dá os outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito. A não ser assim, onde estariam o mérito e a responsabilidade? O homem deformado não pode tornar-se direito, porque o Espírito nisso não pode atuar; mas, pode modificar o que é do Espírito, quando o quer com vontade firme. Não vos mostra a experiência, a vós espíritas, até onde é capaz de ir o poder da vontade, pelas transformações verdadeiramente miraculosas que se operam sob as vossas vistas? Compenetrai-vos, pois, de que o homem não se conserva vicioso, senão porque quer permanecer vicioso; de que aquele que queira corrigir-se sempre o pode. De outro modo, não existiria para o homem a lei do progresso. Hahnemann. (Paris, 1863.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX, item 10.)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O ponto de vista (I)

 
A idéia clara e precisa que se faça da vida futura proporciona inabalável fé no porvir, fé que acarreta enormes conseqüências sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual encaram eles a vida terrena. Para quem se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a vida corpórea se torna simples passagem, breve estada num pai ingrato. As vicissitudes e tribulações dessa vida não passam de incidentes que ele suporta com paciência, por sabê-las de curta duração, devendo seguir-se-lhes um estado mais ditoso. À morte nada mais restará de aterrador; deixa de ser a porta que se abre para o nada e torna-se a que dá para a libertação, pela qual entra o exilado numa mansão de bem-aventurança e de paz. Sabendo temporária e não definitiva a sua estada no lugar onde se encontra, menos atenção presta às preocupações da vida, resultando-lhe daí uma calma de espírito que tira àquela muito do seu amargor.
Pelo simples fato de duvidar da vida futura, o homem dirige todos os seus pensamentos para a vida terrestre. Sem nenhuma certeza quanto ao porvir, dá tudo ao presente.
Nenhum bem divisando mais precioso do que os da Terra, torna-se qual a criança que nada mais vê além de seus brinquedos. E não há o que não faça para conseguir os únicos bens que se lhe afiguram reais. A perda do menor deles lhe ocasiona causticante pesar; um engano, uma decepção, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de que seja vítima, o orgulho ou a vaidade feridos são outros tantos tormentos, que lhe transformam a existência numa perene angústia, infligindo-se ele, desse modo, a si próprio, verdadeira tortura de todos os instantes. Colocando o ponto de vista, de onde considera a vida corpórea, no lugar mesmo em que ele aí se encontra, vastas proporções assume tudo o que o rodeia. O mal que o atinja, como o bem que toque aos outros, grande importância adquire aos seus olhos. Àquele que se acha no interior de uma cidade, tudo lhe parece grande: assim os homens que ocupem as altas posições, como os monumentos.
Suba ele, porém, a uma montanha, e logo bem pequenos lhe parecerão homens e coisas.
É o que sucede ao que encara a vida terrestre do ponto de vista da vida futura; a Humanidade, tanto quanto as estrelas do firmamento, perde-se na imensidade. Percebe então que grandes e pequenos estão confundidos, como formigas sobre um montículo de terra; que proletários e potentados são da mesma estatura, e lamenta que essas criaturas efêmeras a tantas canseiras se entreguem para conquistar um lugar que tão pouco as elevará e que por tão pouco tempo conservarão. Daí se segue que a importância dada aos bens terrenos está sempre em razão inversa da fé na vida futura.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. II, item 5.)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Utilidade providencial da riqueza. Provas da riqueza e da miséria

 
Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, idéia que repugna à razão. Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. E o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão. Mas, do fato de a riqueza tornar difícil a jornada, não se segue que a torne impossível e não possa vir a ser um meio de salvação para o que dela sabe servir-se, como certos venenos podem restituir a saúde, se empregados a propósito e com discernimento.
Quando Jesus disse ao moço que o inquiria sobre os meios de ganhar a vida eterna: “Desfaze-te de todos os teus bens e segue-me”, não pretendeu, decerto, estabelecer como princípio absoluto que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só a esse preço se obtém; mas, apenas mostrar que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação. Aquele moço, com efeito, se julgava quite porque observara certos mandamentos e, no entanto, recusava-se à idéia de abandonar os bens de que era dono. Seu desejo de obter a vida eterna não ia até ao extremo de adquiri-la com sacrifício.
O que Jesus lhe propunha era uma prova decisiva, destinada a pôr a nu o fundo do seu pensamento. Ele podia, sem dúvida, ser um homem perfeitamente honesto na opinião do mundo, não causar dano a ninguém, não maldizer do próximo, não ser vão, nem orgulhoso, honrar a seu pai e a sua mãe. Mas, não tinha a verdadeira caridade; sua virtude não chegava até à abnegação. Isso o que Jesus quis demonstrar. Fazia uma aplicação do princípio: “Fora da caridade não há salvação”.
A conseqüência dessas palavras, em sua acepção rigorosa, seria a abolição da riqueza por prejudicial à felicidade futura e como causa de uma imensidade de males na Terra; seria, ao demais, a condenação do trabalho que a pode granjear; conseqüência absurda, que reconduziria o homem à vida selvagem e que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei do progresso, que é lei de Deus.
Se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem, que dela abusa, como de todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna pernicioso o que lhe poderia ser de maior utilidade. É a conseqüência do estado de inferioridade do mundo terrestre. Se a riqueza somente males houvesse de produzir, Deus não a teria posto na Terra. Compete ao homem fazê-la produzir o bem. Se não é um elemento direto de progresso moral, é, sem contestação, poderoso elemento de progresso intelectual.
Com efeito, o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta. Cabe-lhe desobstrui-lo, saneá-lo, dispô-lo para receber um dia toda a população que a sua extensão comporta. Para alimentar essa população que cresce incessantemente, preciso se faz aumentar a produção. Se a produção de um país é insuficiente, será necessário buscá-la fora. Por isso mesmo, as relações entre os povos constituem uma necessidade. A fim de mais as facilitar, cumpre sejam destruídos os obstáculos materiais que os separam e tornadas mais rápidas as comunicações. Para trabalhos que são obra dos séculos, teve o homem de extrair os materiais até das entranhas da terra; procurou na Ciência os meios de os executar com maior segurança e rapidez. Mas, para os levar a efeito, precisa de recursos: a necessidade fê-lo criar a riqueza, como o fez descobrir a Ciência. A atividade que esses mesmos trabalhos impõem lhe amplia e desenvolve a inteligência, e essa inteligência que ele concentra, primeiro, na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. Sendo a riqueza o meio primordial de execução, sem ela não mais grandes trabalhos, nem atividade, nem estimulante, nem pesquisas. Com razão, pois, é a riqueza considerada elemento de progresso.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 7.)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Fora da caridade não há salvação

 
Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação, estão encerrados os destinos dos homens, na Terra e no céu; na Terra, porque à sombra desse estandarte eles viverão em paz; no céu, porque os que a houverem praticado acharão graças diante do Senhor. Essa divisa é o facho celeste, a luminosa coluna que guia o homem no deserto da vida, encaminhando-o para a Terra da Promissão. Ela brilha no céu, como auréola santa, na fronte dos eleitos, e, na Terra, se acha gravada no coração daqueles a quem Jesus dirá: Passai à direita, benditos de meu Pai. Reconhecê-los-eis pelo perfume de caridade que espalham em torno de si. Nada exprime com mais exatidão o pensamento de Jesus, nada resume tão bem os deveres do homem, como essa máxima de ordem divina. Não poderia o Espiritismo provar melhor a sua origem, do que apresentando-a como regra, por isso que é um reflexo do mais puro Cristianismo. Levando-a por guia, nunca o homem se transviará. Dedicai-vos, assim, meus amigos, a perscrutar-lhe o sentido profundo e as conseqüências, a descobrir-lhe, por vós mesmos, todas as aplicações. Submetei todas as vossas ações ao governo da caridade e a consciência vos responderá. Não só ela evitará que pratiqueis o mal, como também fará que pratiqueis o bem, porquanto uma virtude negativa não basta: é necessária uma virtude ativa. Para fazer-se o bem, mister sempre se torna a ação da vontade; para se não praticar o mal, basta as mais das vezes a inércia e a despreocupação.
Meus amigos, agradecei a Deus o haver permitido que pudésseis gozar a luz do Espiritismo. Não é que somente os que a possuem hajam de ser salvos; é que, ajudando-vos a compreender os ensinos do Cristo, ela vos faz melhores cristãos. Esforçai-vos, pois, para que os vossos irmãos, observando-vos, sejam induzidos a reconhecer que verdadeiro espírita e verdadeiro cristão são uma só e a mesma coisa, dado que todos quantos praticam a caridade são discípulos de Jesus, sem embargo da seita a que pertençam. — Paulo, o apóstolo. (Paris, 1860.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XV, item 10.)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Pelas suas obras é que se reconhece o cristão

 
“Nem todos os que me dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus, mas somente aqueles que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus.”
Escutai essa palavra do Mestre, todos vós que repelis a Doutrina Espírita como obra do demônio. Abri os ouvidos, que é chegado o momento de ouvir.
Será bastante trazer a libré do Senhor, para ser-se fiel servidor seu? Bastará dizer: “Sou cristão”, para que alguém seja um seguidor do Cristo? Procurai os verdadeiros cristãos e os reconhecereis pelas suas obras. “Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má pode dar frutos bons.” — “Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada ao fogo.” São do Mestre essas palavras. Discípulos do Cristo, compreendei-as bem! Que frutos deve dar a árvore do Cristianismo, árvore possante, cujos ramos frondosos cobrem com sua sombra uma parte do mundo, mas que ainda não abrigam todos os que se hão de grupar em torno dela? Os da árvore da vida são frutos de vida, de esperança e de fé. O Cristianismo, qual o fizeram há muitos séculos, continua a pregar essas virtudes divinas; esforça-se por espalhar seus frutos, mas quão poucos os colhem! A árvore é boa sempre, porém maus são os jardineiros. Entenderam de moldá-la pelas suas idéias; de talhá-la de acordo com as suas necessidades; cortaram-na, diminuíram-na, mutilaram-na; tornados estéreis, seus ramos não dão maus frutos, porque nenhuns mais produzem. O viajor sedento, que se detém sob seus galhos à procura do fruto da esperança, capaz de lhe restabelecer a força e a coragem, somente vê uma ramaria árida, prenunciando tempestade. Em vão pede ele o fruto de vida à árvore da vida; caem-lhe secas as folhas; tanto as remexeu a mão do homem, que as crestou.
Abri, pois, os ouvidos e os corações, meus bem-amados! Cultivai essa árvore da vida, cujos frutos dão a vida eterna. Aquele que a plantou vos concita a tratá-la com amor, que ainda a vereis dar com abundância seus frutos divinos. Conservai-a tal como o Cristo vo-la entregou: não a mutileis; ela quer estender a sua sombra imensa sobre o Universo: não lhe corteis os galhos. Seus frutos benfazejos caem abundantes para alimentar o viajor faminto que deseja chegar ao termo da jornada; não amontoeis esses frutos, para os armazenar e deixar apodrecer, a fim de que a ninguém sirvam. “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.” É que há açambarcadores do pão da vida, como os há do pão material. Não sejais do número deles; a árvore que dá bons frutos tem que os dar para todos. Ide, pois, procurar os que estão famintos; levai-os para debaixo da fronde da árvore e partilhai com eles do abrigo que ela oferece. — “Não se colhem uvas nos espinheiros.” Meus irmãos, afastai-vos dos que vos chamam para vos apresentar as sarças do caminho, segui os que vos conduzem à sombra da árvore da vida.
O divino Salvador, o justo por excelência, disse, e suas palavras não passarão: “Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus; entrarão somente os que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus.”
Que o Senhor de bênçãos vos abençoe; que o Deus de luz vos ilumine; que a árvore da vida vos ofereça abundantemente seus frutos! Crede e orai. — Simeão. (Bordéus, 1863.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVIII, item 16.)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A lei de amor (II)

 

O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado. É fato, que já haveis podido comprovar muitas vezes, este: o homem, por mais abjeto, vil e criminoso que seja, vota a um ente ou a um objeto qualquer viva e ardente afeição, à prova de tudo quanto tendesse a diminuí-la e que alcança, não raro, sublimes proporções.
A um ente ou um objeto qualquer, disse eu, porque há entre vós indivíduos que, com o coração a transbordar de amor, despendem tesouros desse sentimento com animais, plantas e, até, com coisas materiais: espécies de misantropos que, a se queixarem da Humanidade em geral e a resistirem ao pendor natural de suas almas, que buscam em torno de si a afeição e a simpatia, rebaixam a lei de amor à condição de instinto. Entretanto, por mais que façam, não logram sufocar o gérmen vivaz que Deus lhes depositou nos corações ao criá-los. Esse gérmen se desenvolve e cresce com a moralidade e a inteligência e, embora comprimido amiúde pelo egoísmo, torna-se a fonte das santas e doces virtudes que geram as afeições sinceras e duráveis e ajudam a criatura a transpor o caminho escarpado e árido da existência humana.
Há pessoas a quem repugna a reencarnação, com a idéia de que outros venham a partilhar das afetuosas simpatias de que são ciosas. Pobres irmãos! o vosso afeto vos torna egoístas; o vosso amor se restringe a um círculo íntimo de parentes e de amigos, sendo-vos indiferentes os demais. Pois bem! para praticardes a lei de amor, tal como Deus o entende, preciso se faz chegueis passo a passo a amar a todos os vossos irmãos indistintamente. A tarefa é longa e difícil, mas cumprir-se-á: Deus o quer e a lei de amor constitui o primeiro e o mais importante preceito da vossa nova doutrina, porque é ela que um dia matará o egoísmo, qualquer que seja a forma sob que se apresente, dado que, além do egoísmo pessoal, há também o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade. Disse Jesus: “Amai o vosso próximo como a vós mesmos.” Ora, qual o limite com relação ao próximo? Será a família, a seita, a nação? Não; é a Humanidade inteira. Nos mundos superiores, o amor recíproco é que harmoniza e dirige os Espíritos adiantados que os habitam, e o vosso planeta, destinado a realizar em breve sensível progresso, verá seus habitantes, em virtude da transformação social por que passará, a praticar essa lei sublime, reflexo da Divindade.
Os efeitos da lei de amor são o melhoramento moral da raça humana e a felicidade durante a vida terrestre. Os mais rebeldes e os mais viciosos se reformarão, quando observarem os benefícios resultantes da prática deste preceito: Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam: fazei-lhes, ao contrário, todo o bem que vos esteja ao alcance fazer-lhes.
Não acrediteis na esterilidade e no endurecimento do coração humano; ao amor verdadeiro, ele, a seu mau grado, cede. É um ímã a que não lhe é possível resistir. O contacto desse amor vivifica e fecunda os germens que dele existem, em estado latente, nos vossos corações. A Terra, orbe de provação e de exílio, será então purificada por esse fogo sagrado e verá praticados na sua superfície a caridade, a humildade, a paciência, o devotamento, a abnegação, a resignação e o sacrifício, virtudes todas filhas do amor. Não vos canseis, pois, de escutar as palavras de João, o Evangelista. Como sabeis, quando a enfermidade e a velhice o obrigaram a suspender o curso de suas prédicas, limitava-se a repetir estas suavíssimas palavras: “Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros.”
Amados irmãos, aproveitai dessas lições; é difícil o praticá-las, porém, a alma colhe delas imenso bem. Crede-me, fazei o sublime esforço que vos peço: “Amai-vos” e vereis a Terra em breve transformada num Paraíso onde as almas dos justos virão repousar. — Fénelon. (Bordéus, 1861.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI, item 9.)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sacrifício da própria vida (II)

– Se um homem se expõe a um perigo iminente para salvar a vida a um de seus semelhantes, sabendo de antemão que sucumbirá, pode o seu ato ser considerado suicídio?
Desde que no ato não entre a intenção de buscar a morte, não há suicídio e, sim, apenas, devotamento e abnegação, embora também haja a certeza de que morrera. Mas, quem pode ter essa certeza? Quem poderá dizer que a Providência não reserva um inesperado meio de salvação para o momento mais crítico? Não poderia ela salvar mesmo aquele que se achasse diante da boca de um canhão? Pode muitas vezes dar-se que ela queira levar ao extremo limite a prova da resignação e, nesse caso, uma circunstância inopinada desvia o golpe fatal. — São Luís. (Paris, 1860.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, item 30.)

sábado, 4 de janeiro de 2014

Abandonar pai, mãe e filhos

 
Aquele que houver deixado, pelo meu nome, sua casa, os seus irmãos, ou suas irmãs, ou seu pai, ou sua mãe, ou sua mulher, ou seus filhos, ou suas terras, receberá o cêntuplo de tudo isso e terá por herança a vida eterna. (S. MATEUS, cap. XIX, v. 29.)
Então, disse-lhe Pedro: Quanto a nós, vês que tudo deixamos e te seguimos. — Jesus lhe observou: Digo-vos, em verdade, que ninguém deixará, pelo reino de Deus, sua casa, ou seu pai, ou sua mãe, ou seus irmãos, ou sua mulher, ou seus filhos — que não receba, já neste mundo, muito mais, e no século vindouro a vida eterna. (S. LUCAS, cap. XVIII, vv. 28 a 30.)
Disse-lhe outro: Senhor, eu te seguirei; mas, permite que, antes, disponha do que tenho em minha casa. — Jesus lhe respondeu: Quem quer que, tendo posto a mão na charrua, olhar para trás, não esta apto para o reino de Deus. (S. LUCAS, cap. IX, vv. 61 e 62.)
Sem discutir as palavras, deve-se aqui procurar o pensamento, que era, evidentemente, este: “Os interesses da vida futura prevalecem sobre todos os interesses e todas as considerações humanas”, porque esse pensamento está de acordo com a substância da doutrina de Jesus, ao passo que a idéia de uma renunciação à família seria a negação dessa doutrina.
Não temos, aliás, sob as vistas a aplicação dessas máximas no sacrifício dos interesses e das afeições de família aos da Pátria? Censura-se, porventura, aquele que deixa seu pai, sua mãe, seus irmãos, sua mulher, seus filhos, para marchar em defesa do seu país? Não se lhe reconhece, ao contrário, grande mérito em arrancar-se às doçuras do lar doméstico, aos liames da amizade, para cumprir um dever? É que, então, há deveres que sobrelevam a outros deveres. Não impõe a lei à filha a obrigação de deixar os pais, para acompanhar o esposo? Formigam no mundo os casos em que são necessárias as mais penosas separações. Nem por isso, entretanto, as afeições se rompem. O afastamento não diminui o respeito, nem a solicitude do filho para com os pais, nem a ternura destes para com aquele. Vê-se, portanto, que, mesmo tomadas ao pé da letra, excetuado o termo odiar, aquelas palavras não seriam uma negação do mandamento que prescreve ao homem honrar a seu pai e a sua mãe, nem do afeto paternal; com mais forte razão, não o seriam, se tomadas segundo o espírito. Tinham elas por fim mostrar, mediante uma hipérbole, quão imperioso é para a criatura o dever de ocupar-se com a vida futura. Aliás, pouco chocantes haviam de ser para um povo e numa época em que, como conseqüência dos costumes, os laços de família eram menos fortes, do que no seio de uma civilização moral mais avançada. Esses laços, mais fracos nos povos primitivos, fortalecem-se com o desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral. A própria separação é necessária ao progresso. Assim as famílias como as raças se abastardam, desde que se não entrecruzem, se não enxertem umas nas outras. É essa uma lei da Natureza, tanto no interesse do progresso moral, quanto no do progresso físico.
Aqui, as coisas são consideradas apenas do ponto de vista terreno. O Espiritismo no-las faz ver de mais alto, mostrando serem os do Espírito e não os do corpo os verdadeiros laços de afeição; que aqueles laços não se quebram pela separação, nem mesmo pela morte do corpo; que se robustecem na vida espiritual, pela depuração do Espírito, verdade consoladora da qual grande força haurem as criaturas, para suportarem as vicissitudes da vida.
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXIII, itens 4 a 6.)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A virtude

 
A virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caritativo, laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, quase sempre as acompanham pequenas enfermidades morais que as desornam e atenuam. Não é virtuoso aquele que faz ostentação da sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a modéstia, e tem o vício que mais se lhe opõe: o orgulho. A virtude, verdadeiramente digna desse nome, não gosta de estadear-se. Adivinham-na; ela, porém, se oculta na obscuridade e foge à admiração das massas. S. Vicente de Paulo era virtuoso; eram virtuosos o digno cura d'Ars e muitos outros quase desconhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que fossem virtuosos; deixavam-se ir ao sabor de suas santas inspirações e praticavam o bem com desinteresse completo e inteiro esquecimento de si mesmos.
À virtude assim compreendida e praticada é que vos convido, meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita é que vos concito a consagrar-vos. Afastai, porém, de vossos corações tudo o que seja orgulho, vaidade, amor-próprio, que sempre desadornam as mais belas qualidades. Não imiteis o homem que se apresenta como modelo e trombeteia, ele próprio, suas qualidades a todos os ouvidos complacentes. A virtude que assim se ostenta esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de odiosas covardias.
Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.
Ó vós todos a quem a fé espírita aqueceu com seus raios, e que sabeis quão longe da perfeição está o homem, jamais esbarreis em semelhante escolho. A virtude é uma graça que desejo a todos os espíritas sinceros. Contudo, dir-lhes-ei: Mais vale pouca virtude com modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que as humanidades sucessivamente se hão perdido; pela humildade é que um dia elas se hão de redimir. - François-Nicolas-Madeleine. (Paris, 1863.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVII, item 8.)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

É permitido repreender os outros, notar as imperfeições de outrem, divulgar o mal de outrem?

 
Ninguém sendo perfeito, seguir-se-á que ninguém tem o direito de repreender o seu próximo?
Certamente que não é essa a conclusão a tirar-se, porquanto cada um de vós deve trabalhar pelo progresso de todos e, sobretudo, daqueles cuja tutela vos foi confiada. Mas, por isso mesmo, deveis fazê-lo com moderação, para um fim útil, e não, como as mais das vezes, pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a repreensão é uma maldade; no primeiro, é um dever que a caridade manda seja cumprido com todo o cuidado possível. Ao demais, a censura que alguém faça a outrem deve ao mesmo tempo dirigi-la a si próprio, procurando saber se não a terá merecido. — S. Luís. (Paris, 1860.)
 
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X, item 19.)